domingo, 19 de março de 2017

A fé em Deus testada por dois grandes diretores de cinema

Em 'Silence', o grande Martin Scorsese realiza um projeto ambicioso.

Em sua primeira série de TV, o italiano Paolo Sorrentino mostra a grande beleza da Igreja Catolica

Deus existe? A pergunta que norteia a humanidade desde que foi descoberta as escrituras sagradas e onde desta toda a existência humana baseou-se sob o prisma de que de fato Deus existe. Entretanto há uma comunicação direta como o Todo Poderoso? Como se daria esse contato direto? Em momentos que mais desejamos como clamar por essa visão? Muitos acreditam que a fé é testada sobre nós e que somente dessa forma Deus sabe distinguir os que crêem de verdade e de coração. Mas para as respostas humanas, no calor da vivência da carne pode parecer mais dificil de aceitar tal tarefa. Essa pergunta milenar está presente nas histórias contadas pelos provaveis dois maiores diretores de cinema vivos.

O primeiro é Martin Scorsese. Um dos maiores diretores do século XXI, que já tratou de religião em outros filmes, sobretudo em A Ultima Tentação de Cristo, de 1988, baseado no livro de Nikos Kazantzakis, traz a tona um projeto que levou décadas para finalmente ser realizado. Em 'Silencio', cujo filme foi baseado no livro de mesmo nome escrito por Shusaku Endo, a fé é testada nos limites mais profundos do ser humano em suportar a dor pela verdade, tal qual Cristo sofreu em nome da humanidade, como se mostra no Novo Testamento. O projeto que Scorsese mais tinha paixão se mostra agora concluida, uma obra muito bem filmada, com cenários incriveis. A fotografia de Rodrigo Prieto é um deslumbre, das cenas nas cruzes no mar ao modo como as cenas são levadas do alto nas escadas de igrejas, até aos momentos de tensão nos vilarejos.

Aqui Scorsese chama a atenção a um tema ocorrido no século 17, quando dois jesuitas portugueses (Adam Driver e Andrew Garfield) resolvem ir atrás do paradeiro do mestre (Liam Neeson) que não deu mais noticias após visitar um Japão sombrio sob uma lei que proibi com pena de morte a pratica do cristianismo. Ao se ver no fim do mundo, a fé é colocada a prova para os dois jesuitas. Largar a fé em Cristo passa a ser necessário para suas proprias sobrevivências, assim como para os proprios japoneses que seguem a religião proibida. A escolha pela morte por muitos que se recusam a pisar na imagem sagrada mostram o preço a se pagar pela fé no desconhecido, pelo preço de uma vida eterna.

Já o segundo diretor, Paolo Sorrentino, italiano, vencedor do Oscar por seu maginifico retrado da alta sociedade na delirante vida noturna de Roma, em A Grande Beleza, traz o seu ousado novo projeto. Em 'The Young Pope', Sorrentino filma imagens do Vaticano de tirar o fôlego, assim como injeta uma alta dose de cultura pop sob uma imagem tão pouca dissecada (tirando claro o otimo 'Habemus Papam', do diretor Nanni Moretti). O papa jovem é Jude Law que emprega uma baita interpretação no papel do soberano da Igreja Catolica Romana. Destaques no elenco aqui para Diane Keaton, Silvio Orlando e Scott Shepherd.

O mérito de The Young Pope é nos mostrar que nem mesmo o Papa está imune de uma imagem satirica. O modo como o cômico se mostra presente no secretario geral que é um enorme entusiasta do time do Napoli, até aos vicios maiores dissecados de forma contundente tais como o homossexualismo e a pedofilia. O papa aqui é o Pio XIII, que se mostra um Trump de batinas, fumante compulsivo, que adora Cherry Coke. Seu desprezo por tudo aquilo que deveria servir para unir a todos, se torna indiscutivel, sobretudo a forma como encara temas espinhosos como aborto, divorcio, etc. A crença em Deus é negada em seu intimo o que causa espanto nos clérigos ao seu redor (Como o Papa não crê em Deus?).

Seja no tom mais ameno da já obra prima de Sorrentino, para a obra pessoal de Scorsese, a fé aqui é o tema principal. Como lidar com as incerteza do mundo? O que fica é a certeza que crer é mais importante do que saber a verdade, porque afinal é o que nos resta enquanto seres mortais habitantes em um planeta no Universo vasto que paira sob algum lugar.


Um papa diabolico: Jude Law em um de seus melhores papéis da carreira.


sábado, 18 de março de 2017

Ryan Adams nos torna prisioneiros do amor

* Nenhum outro artista traduz tanta melancolia em canções tão profundas sobre o maior sentimento do ser humano: o amor.


Em casa. Ryan Adams mostra o que tem mais de intimo nele proprio em seu novo album 'Prisoner'

O garoto prodigio.

É raro para quem está descobrindo o artista nascido em Jacksonville, Carolina do Norte, dono de discos que já estão entre os mais vendidos e venerados por milhares de fãs, ter a capacidade de não se ver parado refletindo sobre a propria vida. As letras que carregam dramas e sentimentos profundos desarmam corações pesados e conquista um degrau junto de outros artistas que buscam a mesma sensação através da música, tais como Neil Young e Bruce Springsteen. Para entender o nascido David Ryan Adams, em 5 de Novembro de 1974, hoje com 42 anos de idade, é preciso entender a sua vida cheia de percalços. Na música se vê a propria redenção.

Em sua pré adolescencia, passava os fins de semana sozinho indo a um shopping onde havia uma loja de discos. "Embora fosse muito longe de casa..." admite, ele juntava o dinheiro do almoço durante semana (em torno de $ 1 dolar) para na sexta comprar um disco, se tudo desse certo e não fosse preciso gastar. Lá fez amizade com um funcionário da loja, chamado Jere Mcilwean. "Ele fazia de tudo para ser parecido com Mike Ness do Social Distortion", brinca. Com ele, confessa em uma entrevista a revista Rolling Stone australiana, teve muitas conversas sobre suas bandas prediletas Sonic Youth e Meat Puppets. O seu primeiro contato com uma guitarra foi na mesma época de adolescência em Jacksonville. Adams trocou o seu skate e mais $ 75 dolares por uma guitarra, uma Les Paul falsa, de um amigo do seu irmão Chris, embora confessa nunca ter dado os $ 75 dolares ("Não porque eu sou um bastardo, mas porque era pobre"). A paixão pelo instrumento veio de forma inesperada e gradual. "Eu lembro de ter pensado, deve ter algo de errado com essa coisa, porque não soa como deveria aparentemente soar", confessa. "Ninguém me ensinou nada (como tocar). E eu realmente olhava para isso (a guitarra) como um homem das cavernas olharia uma calculadora". Adams hoje entende melhor do que ningém como soa uma guitarra. E como criar sons etéreos.




Dos anos 80 para o ano de 2017, muito nele se transformou de feridas, decepções e alegrias. Sua relação com os seus pais nunca foi um motivo de orgulho. Adams foi criado por uma mãe solteira e seus avós após o pai abandonar ele aos cinco anos de idade. A relação com sua mãe não era boa, levando o garoto a buscar passar o tempo com os seus avós. Após a morte do seu avô, do qual guarda o modelo de pessoa que deseja ser, por enfisema pulmonar, ele resolve tomar novos passos para sua vida. Um dos vicios do avô, o cigarro, por anos foi o que manteve ele proximo das lembranças dele. "O cheiro me fazia lembrar dele, as fumaças me faziam lembrar dele. Esse era o meu jeito de estar proximo dele."

Adams passa a morar sozinho e se muda para Raleigh, Carolina do Norte e se vê diante dos momentos mais assustadores de sua vida. "Eu não tinha mais parentes. Muitos não gostavam de mim". Em meio a 'bicos' como lavador de pratos e trabalhador de construção civil, ele passa anos depois, em 1994, a tocar em uma banda de alt-country chamada Whiskytown, que em meio ao boom da cena Americana de musica country, assinam em 1997, um contrato com uma grande gravadora. Entretanto, ele se arrepende dessa época: "Eu comecei essa maldita banda country, porque punk rock era bem dificil de tocar.", confessa em uma entrevista para a revista inglesa Q. "Eu estava sob aquela influência musical quando eu tocava aquilo. Era tipo, 'Eu preciso fazer isso, porque eu tenho esse trabalho terrivel cantando nessa porcaria de banda horrivel' - quando isso vai acabar?". Até que um dia Adams demitiu metade da banda em uma apresentação em Kansas City. Era o fim de um ciclo.







Ele por ele mesmo.

Ao se mudar para Nova York, Adams passa a viver com sua namorada a uns blocos de Greenwich Village. Foi onde, após terminar com sua então garota, ele começa a escrever e compor o que viria a ser o primeiro disco de sua carreira. Tendo permanecido no mesmo apartamento, envolto com as lembranças dela ele compôs 'Heartbreaker' sobre ela.


Na época de 'Heartbreaker': 17 anos depois


Ryan Adams passa a ser o artista prodigio. É considerado o novo Bruce Springsteen. Vira o xodó de Elton John. Revistas como Rolling Stone passa a considera-lo um dos grandes artistas de sua época. Foi com o album 'Gold' que ele passa a se tornar um dos maiores artistas de fato. Com a etérea 'New York, New York', os holofotes passam a se movimentar em seu rosto. Uma das canções que mais embalaram o tributo as vitimas do 11/09. Com o sucesso de 'Gold', ele embarca no sucesso de The Strokes e The White Stripes, com um rock progressivo e grandes canções, namora as maiores beldades da época como Winona Ryder, Beth Orton e Parker Posey. Produzido por Ethan Johns, filho do legendário produtor dos The Rolling Stones e The Who Glyn Johns, o disco se torna uma mudança de 180° na sua carreira.

Outros grandes discos passam a vir mantendo a mesma qualidade unica de suas composições e letras. 'Demolition', de 2002, 'Rock'n Roll', de 2003 e 'Love is Hell', de 2004 foram lançados em sequencia tornando ele um dos artistas mais criativos e geniais de sua geração. O problema surge quando ele mantem o ritmo anual de lançamento de discos, mas soa saturado pelo processo criativo que sucumbe a discos não ruins, mas não tão bons e que vem a coincidir com o periodo em que esteve sob a influencia de bebidas e drogas . Após se unir a banda The Cardinals, Adams passa por um momento de transição para aquilo que se tornou, longe dos vicios. Com os albuns 'Easy Tiger', em 2007, 'Cardinology' de 2008 e 'III/IV' de 2010, ele passa a canalisar sua emoções através das canções. "Foi na realidade tão saudável partir nessa, é um lugar seguro para examinar você mesmo, e eu realmente o fiz. Eu usei esse tempo, minhas amizades ali, e eu comecei a ter bons momentos, que era inacreditável.", confessa para a Rolling Stone australiana. "Eu ia para o estudio todos os dias e aquilo me curou."


Com a ex-esposa Mandy Moore.

Em 2011, sob o efeito do amor por sua esposa, a atriz Mandy Moore, ele traz 'Ashes and Fire', um dos seus maiores discos. Com canções alegres e belas, como 'Chains of Love' e 'Lucky Now', foi a fase do redescobrimento de si mesmo mais uma vez. Após trabalhar num album mais parecido com esse último, Adams vê dentro de si um desejo de contar um pouco mais sobre sua vida pessoal e sobre a si mesmo. Vem então o bombástico e fantástico disco com o seu nome no titulo. 'Ryan Adams', 2014. "Aquele disco foi eu mesmo começando a me sentir eu mesmo. Era eu mesmo indo, eu posso tocar uma guitarra acustica e é sobre isso do que se trata. Mas eu sei tocar uma canção como 'Gimme Something Good' e essa é a minha chance de mostrar como eu sei tocar uma guitarra elétrica. Eu ainda posso ter aquele momento do Grateful Dead, e momentos de Daydream Nation do Sonic Youth e aqueles todos envoltos em Don Henleyisims"




O sentimento mais humano.

Houve diversos EPs lançados nos ultimos anos e um LP de canções punk rock num experimento muito bem sucedido, o album '1984' e além de um cover de todo o album de synth-pop da cantora Taylor Swift, '1989'. A versão de Adams foi além e trouxe o seu talento a uma visibilidade do qual ele não tinha até então, tornando-se um sucesso. O resultado traz ecos de um 'Nebraska' de Bruce Springsteen. Soturno e tocante. Em meio a sua separação traumatizante com Mandy Moore, ele confessou certa vez que o album de Swift falava mais sobre o que sentia do que qualquer outra coisa que havia feito em toda sua carreira. A resposta ao seu momento de separação o fez ficar recluso ainda mais e gravar por dias e noite produzindo um enorme material. Todo o material é feito por meio de sua propria gravadora, a Pax-Am, que fundou para se livrar de problemas que teve no passado com gravadoras.

Doze canções desse enorme material estão no seu novo disco lançado mês passado. 'Prisoner'. O que vemos aqui é o melhor trabalho desde 'Gold', com canções que são extremamente bem trabalhadas, com letras dilacerantes. As guitarras elétricas estão presentes como nunca, com sequências em riffs inacreditaveis como na 80's canção 'Anything I Say To You Now'. A faixa titulo é outra demonstração de como as baterias tornam de certa forma um disco de rock que trata de amor com a furia do rock oitentista. O primeiro single 'Do You Still Love?' é puro Bruce Springsteen, assim como 'Haunted House', que soa a fase 'Tunnel of Love'. 'To Be Without You', como nota bem a revista Q inglesa, traz bem realmente ecos do disco Sea Change, do Beck. 'Outbaund Train' é uma canção que te conforta em como uma separação deve causar em um coração partido, com um ritmo envolvente. Em 'Breakdown' estamos novamente com as guitarras elétricas dilacerantes.


Na Rolling Stone: Sua maior paixão são gatos.


Ryan Adams retorna com o coração costurado prometendo distância na faixa que fecha o disco 'We Dissapear'. Animado com a turnê do disco, e a vontade em fazer shows para grandes arenas, já estão marcados diversos shows pela Europa, Australia e EUA... quem sabe até América Latina ano que vem ou final do ano? :-) O mais importante é essa nova fase em que ele se apresenta. Renovado e com todo uma nova energia, cercado de seus gatos e de sua nova namorada.


Na capa da Rolling Stone australiana.


Em uma entrevista para a radio KCRW, Adams decifra o que significa amar nos dias de hoje. Ele conta que não devemos nos privar do amor, e que sim se lançar sempre para amar as pessoas. Que somos assim, é de nossa natureza humana amar e estar preso a isso. "Aquilo que eu vivi foi o máximo do meu esforço em estar vivo. Ser romântico é estar consciente da propria existência de nós como seres humanos." E completa. "(As guitarras elétricas no disco fazendo muitas canções soarem alegras apesar de melancolicas) foram o meio de celebrar essa consciência humana em estar vivo e poder amar". Por mais que doa eventualmente a separação. Ainda para a Q inglesa ele declara "Eu tenho 42 anos, você não pode me parar nem ferrando. Eu não tenho que pedir para ninguém permissão para ir para lugar nenhum." ele comenta por possui sua propria gravadora, a Pax-Am. "Eu não sou essa celebridade que aparece na TV toda hora. Eu não tenho paciência para isso." O cantor que não sabia mexer direiro em uma guitarra foi além e hoje usa ela para reparar sentimentos perdidos e achados.

No clipe de 'Do You Still Love Me?': clipe sobre a turnê do músico.

 Para os que não querem ter somente o novo disco nos serviços de streaming (esquece o box com as miniaturas do cantor e discos de vinil com diversas capas para cada canção - está esgotado, uma pena)...







Sim, um box com miniaturas do Ryan Adams e banda (e gatos, claro).


Abaixo a entrevista incrível de Ryan Adams com o bamba Zane Lowe no Beats1 da Apple Music, e o album 'Prisoner' na plataforma TIDAL.