quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

Refletindo um novo som épico. Arcade Fire atrás da batida perfeita.

* O som dançante vindo das festas do Haiti


O carnaval que influenciou o som da banda canadense.

A hipnótica banda de Montreal se distancia das inspirações que os conduziram até aqui e fazem sua obra máxima indo até as raízes da música caribenha. Win Butler, Regine Chassagne, William Butler (irmão de Win), Sarah Neufeld, Richard Parry, Jeremy Gara, Tim Kingsbury, Howard Bilerman, Brendan Reed, Tim Kyle. Sim todos são integrantes do Arcade Fire. Uma das bandas mais incríveis da música hoje.

A música é algo que se transmite e que variando de culturas diferentes possui sentimentos e significados variados. Faz parte de uma mensagem, de um significado para todos numa comunidade. Na concepção dos integrantes do Arcade Fire, a música transcende pré-concepções e simulacros. Pertence a ideia geral que conduz o que a música pode significar para nós enquanto seres espirituais, que sofrem, que amam e se alegra. Talvez uma das suas maiores virtudes seja esse caráter único que se vê em suas composições e versos das canções. Adicionando a isso a forma apoteótica que torna suas canções lindas e majestosas. O que eles trazem agora nesse quarto disco bebe da fonte da cultura haitiana e caribenha, uma cultura que se aproxima do que a música produz nos nossos espíritos e de que forma ela nos atinge. Influenciada pelo som dos RAM, um grupo musical criado por compositor e músico Richard A. Morse (de onde deriva as iniciais), famoso no Haiti que une o rock'n'roll moderno, com instrumentos de vodoo, como rara e petwo, eles se inspiraram para fazerem o som que pode ser notado em faixas como "Here Comes The Night Time" e "Reflektor".  

Isso tudo ocorreu em 2010, quando cada membro da banda experimentou o poder da música para os haitianos e como isso está presente no cotidiano e em suas vidas. Eles estiveram no Haiti no período de karnaval, uma celebração carnavalesca das ilhas, onde as pessoas se vestiam com roupas repletas de alegorias diferentes. "É 10 vezes mais elaborado que qualquer show de rock que eu já estive um dia", disse Win Butler para a NME, "e são só pessoas com papelão, um pouco de tinta e algumas flores feitas de papel maché e conduzindo isso ao extremo, num show visceral". 

O quarto álbum da banda foi descrito pela mesma New Musical Express como uma mistura de influencia que vão de The Cure, Michael Jackson, Talking Heads e The Clash. Ao contrário dos discos anteriores da banda, ("Funeral", "Neon Bible", e o premiado "The Suburbs"), "Reflektor" não possui uma unica concepção narrativa, diferente de "Suburbs" que ganhou vida quando Win viu uma foto de um amigo de infância com uma criança nos ombros no bairro onde viviam. Aqui só os ritmos jamaicanos e haitianos se sobressaem. O disco acabou se tornando duplo, com canções de oito minutos. Tecnicamente, eles tinham a intenção de gravar tudo em um único disco, mas Will diz que eles estavam temerosos de que o disco soaria "pesado demais". "Houve uma conversa para fazer um álbum curto com uma temática realmente bem substancial, como o "Remain In Light", do Talking Heads", ele disse. "Nós até brincamos com a ideia de fazer um "Sandinista!" ou um "White Album", completa.

Qual o lugar da banda no Rock nos dias de hoje? Win Butler, confrontado quando citam o verso de "Normal Person", quando ele antes de começar a canção ele comenta para a platéia num tom de voz bêbado e exausto: "Do you like rock'n'roll music? Because I don't know if i do", o que é o rock para ele nos dias de hoje? Ele responde: "Eu achei engraçado, começar uma canção de rádio com isso",  e continua: "Há muita visceral simplicidade na música de rock'n roll, mas ha tempos o "roll" se perdeu. Nós estamos tentando manter isso (na expressão)". A banda é vista por muitos como indie e esquisita por muitos meios de midia ainda, mesmo tendo alcançado o mainstream com o Grammy pelo disco "The Suburbs". Muitos o consideram uma banda de rock fraca. "Nós somos uma banda esquisita muito nesse contexto mainstream, um pouco como uma ovelha negra, entende?", desabafa Win sobre o lugar que reservam para a banda até mesmo na hora de tocar nas rádios como veio a reclamar da BBC Radio 1, que na Inglaterra não tocaram "Reflektor".



Após uma massiva propaganda espalhando símbolos de inspiração haitiana em diversos lugares do mundo, eles fizeram dois shows secretos em Montreal no clube Salsatheque no começo de setembro, se auto denominando The Reflektors. Eles alertaram para que todos viessem fantasiados. Para que fossem "parte das performances da banda", para que pudesse haver uma interação entre a banda e o publico. 

"Reflektor" foi produzido pelo bamba James Murphy (ex-LCD Soundsystem) nas gravações feitas no estúdio Electric Lady em Nova York. Antes houveram gravações feitas pela banda na Jamaica, num castelo chamado Trident Castle, onde o produtor Markus Dravs conduziu as performances ali feitas, no clima da experiencia que tiveram no karnaval. Dravs já havia trabalhado com eles em "Neon Bible" e "The Suburbs". Todos os produtores que auxiliaram a banda concordam com uma coisa em comum: todos citam o perfeccionismo de Win Butler e da banda em criar um trabalho único. "Para eles, só está terminado até o momento em que o disco chegar nas lojas", James Murphy disse a NME. Enquanto isso, toda a dedicação faz produtores dizerem que eles seguem uma "metodologia U2" para finalizar um álbum. Não estão tão preocupados com tempo ou dinheiro, e sim com o que o disco tem a dizer."

De longe uma obra prima da banda, que despeja aqui influencias que vão do mito de Orfeu e Eurídice (da arte conceptual da capa do disco, às letras e canções do disco, principalmente no segundo disco), aos ritmos dançantes e contagiantes trazidos do Haiti e Jamaica. O Arcade Fire vai além e traz um trabalho mais humano, do que jamais eles haviam trazido até então. Os discos anteriores todos brilhantes e extremamente bem feitos só fez aqui esse disco ser tão aguardado. E justamente por esse motivo tão esmiuçado provocando algumas criticas a esse trabalho. Em 2007, como lembra a NME, a critica musical do The New Yorker Sasha Frere-Jones se queixou de que "se a banda trazia traços de influencias de soul, blues, reggae ou funk só poderia ser filosofico, porque não poderia ser ouvido", sempre ouve a preocupação de trazer ritmos que pudessem ser tocados pelo mundo e que sonoramente fosse curtido em diferentes culturas.

A faixa-titulo que abre o disco é uma alegoria que representa bem o que eles acham do mundo hoje em dia, onde não se observa o que está bem diante dos nossos olhos. "Now, the signals we send. Are deflected again. We’re still connected. But are we even friends?", canta Win Butler. "I thought I found the connector. It’s just a reflektor (it’s just a reflektor, just a reflektor)". As faixas que no total somam treze faixas, cujas as sete primeiras faixas formam o primeiro disco e as seis restantes o segundo disco que focam na ideia de vida e morte, tão presente no mito de Orfeu e a faixa "Porno", uma das melhores do disco. "We Exist", parece querer chamar atenção para alguma dificuldade de se enxergar o outro. "Walking around. Head full of sound. Acting like. We don't exist.Walk in a room. Stare after you. Talking like. We don't exist", diz Win que tem baixos bem presentes. Reggae aqui e acolá. As faixas seguintes, "Flashbulb Eyes", "Here Comes The Night Time", "Normal Person" e "You Already Know" tem essa pega dançante pop carnavalesca e deliciosa. Ritmos africanos, pega dançante anos setenta talvez. Um primor. "Joan Of Arc" é uma balada que traz uma atmosfera com batidas e swing dançante. "Now they tell you that you're their museYeah, they're so inspired. But where were they when they called your name. And they lit the fire?"

A segunda parte do disco começa com sussurros de "Here Comes The Night Time II", uma transição do lado dançante para o lado sombrio e épico. Que trazem as românticas "Awful Sound (Oh Eurydice)" e "It's Never Over (Oh Orpheus)". "Porno", uma das mais brilhantes músicas da banda (e olha que não é facil dizer isso de uma música só) fala da falta de sentimentos humanos num mundo tomado pelo individualismo e indiferença alheia. O pornô superior ao sexo, por exemplo. "And all your make up. Just take it all off. I've got to find you. Before the line is lost. I know I hurt you. I won't deny it. When I reach for you. You say, "I'm over it. "But I know.", canta um Win Butler sussurrando como se estivesse sem folego muitas vezes.

A majestosa e melhor faixa do disco, "Afterlife", é uma sintese talvez do que o proprio disco quer tratar. Até onde vai o amor quando ele morre?, se pergunta a música ao tentar se aproximar do momento em que alguém parte, o que resta? As relações humanas esticadas e colocadas sob os nossos olhos parece ser o que a banda quer, e consegue exito ao fazer isso com tamanha beleza e encanto. "Afterlife, oh, my God, what an awful word. After all the breath and the dirt and the fires are burnt. And after all this time, and after all the ambulances go. And after all the hangers on are done hanging in the dead light. Of the afterglow.", diz Win que grita: "I've gotta know. Can we work it out? We scream and shout 'till we work it out. Can we just work it out? Scream and shout 'till we work it out? 'till we work it out, 'till we work it out.". Linda, sem mais. E o disco termina com a incrivel "Supersymmetry", com ecos de que o fim é só o começo se formos fortes o bastante, e reagirmos as reações do corpo.

Repleto de momentos apoteóticos, "Reflektor" é a melhor coisa feita nesse ano, e olha que isso é na minha opinião pois esse foi um ano em que muitos artistas lançaram novos materiais. O próprio David Bowie que surge ao fundo em "Reflektor", a faixa titulo do disco dos canadenses, lançou o excelente "The Next Day". Não consigo não me emocionar com discos do Arcade Fire, sempre tão impecáveis. Esse não fugiu a regra e por momentos se supera a tudo que fizeram até aqui. Bravo!




  
E um visual dançante e embalado em ritmos africanos. Sons cada vez melhores.





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